26 de outubro de 2008

Império bizantino e questão iconoclasta

Acaba de abrir em Londres a Bizantium 330-1453, uma grande exposição sobre a cultura e arte bizantinas ao longo de mais de mil anos. O caderno P2 do Público tem um desenvolvido trabalho sobre o assunto, da autoria da jornalista Alexandra Lucas Coelho. E citamos o evento e a cobertura jornalística aqui porque, num e noutro caso, são várias as referências a uma dimensão relevante da História da Imagem: a questão iconoclasta.


A exposição, patente na Royal Academy of Arts até 31 de Março de 2009, inclui uma parte sobre os célebres ícones da arte bizantina e, inevitavelmente, sobre o problema político e teológico-religioso da representação imagética do sagrado.
O trabalho do Público refere-se-lhe nos seguintes termos:

Seguem-se explicações sobre o Período Iconoclasta, no século VIII, quando o imperador Leão decide banir as imagens.
Porquê? Responde Cyril Mango no catálogo: o Islão estava em expansão vitoriosa, e porque eram os árabes tão vitoriosos, eles que não tinham imagens de Deus? Leão terá achado que os cristãos estavam a ser punidos por terem cedido à idolatria.
"Bizâncio começou com arte figurativa e depois veio um imperador e disse: foi um grande erro", sintetiza Robin no meio dos jornalistas. "E esse debate prolongou-se por mil anos."
O Período Iconoclasta teve várias consequências com impacto até hoje, e uma delas é o que sabemos da literatura antiga. Como não podiam fazer imagens, os bizantinos desse período concentraram-se em copiar livros, explica Cyril Mango, no catálogo. "O nosso conhecimento de literatura grega está muito confinado às cópias feitas durante Bizâncio. O que não foi copiado perdeu-se." Por outro lado, os bizantinos eliminaram dos textos o vernáculo, deixando-nos uma imagem distorcida da escrita da época.



No site da exposição encontra-se, entre outros motivos de interesse, um guia de natureza educativa que se refere também ao problema da iconoclastia. Ficam aqui algumas citações:
‘As the painters when they paint icons from icons, looking closely at the model, are eager to transfer the character of the icon to their own masterpiece, so must he who strives to perfect himself in all branches of virtue look to the lives of saints as if to living and moving images and make their virtue his own by imitation.’
Sacra Parallela, John of Damascus (Eighth-century)

‘The honour that is paid to the image passes on to that which the image represents and he who does worship to the image, does worship to the subject represented in it.’
Second Council of Nicaea, 787

Byzantine icons had a functional as well as an aesthetic aim: they were made as props in the face of joy and sorrow, happiness and pain. They received the prayers and veneration that passed through them to the ‘other’ world that they symbolized, and they were expected to reflect the powers of God.
Robin Cormack, in Byzantine Art

Byzantine iconophiles, or image-lovers, believed that icons were holy in their own right, and not solely devotional objects. Icons and their recurrent subjects – Christ as ruler of the world, the Virgin and Child, and a host of various saints – provided a moral example to worshippers, illuminating the importance of family life and reiterating Christian doctrine.
In Bizantium 330-1453 Exhibition Education Guide, 2008

24 de outubro de 2008

Para a História da Propaganda nas eleições presidenciais dos EUA


O Museum of the Moving Image, de Nova Iorque, criou uma zona de actividades dedicada à História da propaganda Política nas eleições presidenciais norte-americanas, desde 1952 até à actualidade, intitulada The Living Room Candidate - Presidential Campaign Commercials 1952-2008.
É uma oportunidade especial para ver não apenas a evolução dos cartazes, dos processos de convencimento dos eleitores, dos vídeos, etc, mas também dos perfis dos candidatos, dos acopntecimentos históricos marcantes dos vários mandatos, dos resultados eleitorais, etc.
Ao mesmo tempo, o site abre uma zona interessante de materiais de apoio, tais como Analysis of Political Commercials (veja-se, nomeadamente History of Political Commercials) e a proposta de oito lições para abordar estes temas nas aulas, além de outros recursos.
Vale a pena a visita, nestes tempos em que assistimos a mais uma corrida eleitoral naquele país, de resto especialmente bem documentada neste site.
(Dica: blogue do Público Eleições EUA 2008).

18 de outubro de 2008

Sobre as origens dos folhetins nos media


Os folhetins ou histórias em episódios surgiram na imprensa diária, na primeira metade do séc. XIX. As radionovelas e as telenovelas são a transposição ou adaptação deste género à rádio e à televisão. É sobre este tema a crónica de hoje de Educardo Cintra Torres, no Público.
Alguns excertos:

O nascimento da telenovela ficou destinado no dia 19 de Junho de 1842 - cerca de um século antes de aparecer a televisão. Nesse dia começou a publicar-se no Journal des Débats, de Paris, o folhetim de Eugène Sue Os Mistérios de Paris, o primeiro dos grandes êxitos do género. O furor foi total. A narrativa ia evoluindo consoante as reacções do público, como se o folhetim se escrevesse a si mesmo. Ricos e pobres agarravam-se ao jornal e liam os numerosos enredos simultâneos de acordo com os seus sonhos e a sua posição. As audiências aumentaram: o jornal ganhou 20.000 assinaturas. Os gabinetes de leitura pública alugavam um exemplar do Journal des Débats a dez soldos por meia hora.
(...) Sue defendia aqui a caridade e a acção individual, sem ter de alterar-se a ordem social: basta que o herói seja um super-herói e os pobres terão consolo. Por isso Marx e Engels, na sua primeira obra conjunta (1845), desancaram Sue.
Mas houve mais consequências: o mundo rendeu-se ao novo género do folhetim - melodrama em episódios mutantes - e por todo o lado surgiram mistérios: Mistérios de Berlim, Mistérios de Munique, Mistérios de Bruxelas, Mistérios de Londres, Mistérios de Marselha, Mistérios de Nápoles, até Balzac, o Grande, escreveu, para variar, Mistérios de Província, e por cá Camilo, porque tinha de ser ele, escreveu uns Mistérios de Lisboa (1854), que começam com a promissora frase folhetinesca "Era eu um rapaz de catorze anos, e não sabia quem era." (Centenas de capítulos depois, Camilo acaba o melodrama com o desenlace apropriado: "O mundo ignora que estas duas sepulturas são o leito nupcial daqueles dois desgraçados.")
Escrito para o consumo de massa, obedecendo aos gostos e exigências da audiência, o folhetim pressupunha a perda de autonomia do escritor. E, com a escrita para o dia-a-dia, vergava às regras da indústria da imprensa. Era o primeiro exemplo flagrante das indústrias culturais. Edgar Poe não gostou que o "único objectivo" de Sue tivesse sido "fazer um livro excitante e, consequentemente, vendível." Até hoje, este dilema não abandonou as indústrias culturais, desde a literatura à TV.
É importante sublinhar que a actualidade social do folhetim de Sue contribuiu para o seu impacto. Entretanto, o mito em torno dos Mistérios de Paris avantajou-os; chegou-se a escrever que, ao consciencializarem o povo de Paris da sua miséria, tinham contribuído para a Revolução de 1848. Na verdade, o poder político esteve atento e arranjou maneira de condicionar autores e editores: a ERC da época fez sair em 1851 uma forma de censura indirecta, a lei Riancey, criando uma taxa de cinco cêntimos por cada jornal que incluísse um folhetim.
Os Mistérios de Paris prolongaram-se noutras formas de cultura de massas, com cinco adaptações francesas ao cinema entre 1911 e 1962, uma italiana (1957) e uma série de TV franco-alemã (1980). Depois da obra pioneira de Sue, cuja leitura integral é hoje tão intragável como seria ver ou ler os diálogos de Vila Faia (RTP1, 1982) ou de Todo o Tempo do Mundo (TVI, 1999), surgiram inúmeros folhetins, alguns para sempre, como Os Três Mosqueteiros ou O Conde de Monte Cristo. Num outro Mistério, o da Estrada de Sintra, Eça e Ramalho subverteram o género, fazendo do romantismo uma divertida mas criminosa estupidez.
Convém-me aqui um flash-back: em Inglaterra e em França já havia romances retalhados para divulgação parcial ou integral na imprensa, mas não eram folhetins como os Mistérios. O volte-face começa em 1836, com La Presse e Le Siècle, os primeiros jornais franceses destinados à massa e, pormenor nada desprezível, pioneiros no uso da melhor forma de introduzir a publicidade na imprensa: baixando o preço do exemplar. (...) Essas primeiras ficções na imprensa eram ainda romances divididos em parcelas diárias, enquanto Os Mistérios de Paris foi escrito enquanto folhetim, ao serviço do leitor e da actulidade para obter a máxima audiência, com as suas lágrimas de sangue, ganchos criando suspense para o dia seguinte, cenas intermináveis, repetição de narrativas e flash-backs, reconhecimento de filhos extraviados e de pais perdidos, com pobres e ricos cruzando-se num amor talvez não impossível ou num ódio talvez abatível. Nada que um espectador de hoje não conheça. (...)

(Imagem: Eugène Sue)

15 de outubro de 2008

Platão: a escrita, a memória e a sabedoria

In Platão. Fedro ou da Beleza. 2a. ed. Trad. e notas de Pinharanda Gomes. Lisboa: Guimarães, 1981, p. 145-152.

(...)
Sócrates – Por acaso sabes quais são as condições necessárias para que, já os discursos, já as acções sejam agradáveis aos deuses?

Fedro – Não, e tu sabes!

Sócrates – Pelo menos, conheço uma lenda que nos foi transmitida pela tradição antiga. Se é verdadeira ou falsa, não sei, mas, se por nós mesmos pudéssemos descobrir a verdade, importar-nos-íamos com o que os homens dizem?

Fedro – Que pergunta! Vamos, conta-me essa história que dizes ter ouvido!

Sócrates – Pois bem: ouvi uma vez contar que, na região de Náucratis [NT: Colónia grega no delta do Nilo. Platão visitou essa colónia aquando da sua estada no Egito], no Egito, houve um velho deus deste país, deus a quem é consagrada a ave que chamam íbis, e a quem chamavam Thoth. Dizem que foi ele quem inventou os números e o cálculo, a geometria e a astronomia, bem como o jogo das damas e dos dados, e, finalmente, fica sabendo, os caracteres gráficos (escrita). Nesse tempo, todo o Egipto era governado por Tamuz, que residia no sul do país, numa grande cidade que os gregos designam por Tebas do Egipto, onde aquele deus era conhecido pelo nome de Ámon. Thoth encontrou-se com o monarca, a quem mostrou as suas artes, dizendo que era necessário dá-las a conhecer a todos os egípcios. Mas o monarca quis saber a utilidade de cada uma das artes e, enquanto o inventor as explicava, o monarca elogiava ou censurava, consoante as artes lhe pareciam boas ou más.

Foram muitas, diz a lenda, as considerações que sobre cada arte Tamuz fez a Thoth, quer condenando, quer elogiando, e seria prolixo enumerar todas aquelas considerações. Mas, quando chegou a vez da invenção da escrita, exclamou Thoth: “Eis, oh Rei, uma arte que tornará os egípcios mais sábios e os ajudará a fortalecer a memória, pois com a escrita descobri o remédio para a memória: – “Oh, Thoth, mestre incomparável, uma coisa é inventar uma arte, outra julgar os benefícios ou prejuízos que dela advirão para os outros! Tu, neste momento e como inventor da escrita, esperas dela, e com entusiasmo, todo o contrário do que ela pode vir a fazer!

Ela tornará os homens mais esquecidos pois que, sabendo escrever, deixarão de exercitar a memória, confiando apenas nas escrituras e só se lembrarão de um assunto por força de motivos exteriores, por meio de sinais, e não dos assuntos em si mesmos. Por isso, não inventaste um remédio para a memória, mas sim para a rememoração.

Quanto à transmissão do ensino, transmites aos teus alunos não a sabedoria, pois passarão a receber uma grande soma de informações sem a respectiva educação! Hão-de parecer homens de saber, embora não passem de ignorantes em muitas matérias e tornar-se-ão, por consequência, sábios imaginários, em vez de sábios verdadeiros!

Fedro – Com que facilidade inventas, caro Sócrates, histórias egípcias e de outras terras quando isso te convém!

Sócrates – Dizem, caro amigo, que os primeiros oráculos no templo de Zeus, em Donona [NT: Cidade grega, notável pelo templo em honra de Zeus], foram feitos por um carvalho! É evidente que os homens daquele tempo não eram tão sábios como os da nossa geração e, como eram ingénuos, o que um carvalho ou um rochedo dissessem tornava-se muito importante, conquanto lhes parecesse verídico! Mas para ti talvez interesse saber quem disse determinada coisa e de que terra é natural, pois não te basta verificar se essa coisa é verdadeira ou falsa!

Fedro – Tens razão para me castigares com essas palmatoadas mas, no que respeita à escrita, parece-me que o tebano tinha razão.

Sócrates – De onde se conclui o seguinte: se alguém expõe as suas regras de arte por escrito e um outro vem depois, que aceita esse testemunho escrito como sendo a expressão sólida de uma doutrina valiosa, esse alguém seria tolo, não entendendo o aviso de Ámon, e atribuiria maior valor às teorias escritas do que a um simples tópico para rememoração do assunto tratado no escrito, não é assim?

Fedro – Perfeitamente!

Sócrates – O maior inconveniente da escrita parece-se, caro Fedro, se bem julgo, com a pintura. As figuras pintadas têm atitudes de seres vivos mas, se alguém as interrrogar, manter-se-ão silenciosas, o mesmo acontecendo com os discursos: falam das coisas como se estas estivessem vivas, mas, se alguém os interroga, no intuito de obter um esclarecimento, limitam-se a repetir sempre a mesma coisa. Mais: uma vez escrito, um discurso chega a toda a parte, tanto aos que o entendem como aos que não podem compreendê-lo e, assim, nunca se chega a saber a quem serve e a quem não serve. Quando é menoscabado, ou justamente censurado, tem sempre necessidade da ajuda do seu autor, pois não é capaz de se defender nem de se proteger a si mesmo.

Fedro – Continuas a exprimir-te com toda a justeza!

Sócrates – Deveremos agora examinar uma outra espécie de discursos, irmã legítima da precedente, como nasce e em que é superior à outra espécie.

Fedro – A que espécie de discursos aludes e como surge?

Sócrates – Refiro-me ao discurso conscienciosamente escrito, com a sabedoria da alma, ao discurso capaz de se defender a si mesmo, e que sabe quando convém ficar calado e quando convém intervir.

Fedro – Por acaso estás a referir-te ao discurso vivo e animado do sábio, do qual todo o discurso poderia ser tomado com um simples simulacro?

Sócrates – Exactamente a esse! Diz-me então: um agricultor inteligente possui sementes às quais dá grande valor e de que pretende obter os frutos. Achas que esse agricultor pensaria em semear essas sementes durante o verão, nos jardins de Adónis [NT: Forma grega da palavra semítica Adon, o Senhor], e que esperaria vê-las desenvolvidas, tornadas plantas, no prazo de oito dias? Seria possível que assim acontecesse, mas a simples título de culto religioso, na altura das festas em honra de Adónis. Mas, quanto às sementes a que deseje dar um fim útil, semeá-las-á em terreno apropriado, utilizando a técnica da agricultura, e sentir-se-á muito feliz se, ao oitavo mês, colher todas as que semeara!

Fedro – É evidente, Sócrates, que esse homem faria ambas as coisas, uma com intenção séria, outra com intenção diversa!

Sócrates – Mas podemos nós dizer que o homem conhecedor do justo, do belo e do bom, dará às suas próprias sementes um uso menos avisado do que o agricultor?

Fedro – Por nada deste mundo!

Sócrates – Pois bem, é evidente que, quem conheça o justo, o bom e o belo não irá escrever tais coisas na água, nem usará um caniço para semear os seus discursos, os quais, além de impotentes para se defenderem por si mesmos, não servem para ensinar correctamente a verdade.

Fedro – Pelo menos não seria provável que o fizessem:

Sócrates – É evidente que não! Não deixará, naturalmente, de semear nos jardins literários, mas apenas por passatempo. Ao escrever, apenas procurará acumular para si mesmo um tesouro de rememoração para a velhice, pois os velhos esquecem tudo. Tirará também grande prazer em escrever para os que seguem no seu caminho e muito se alegrará vendo crescer essas tenras plantas. Enquanto uns se divertirão em banquetes e outros festins semelhantes, o homem de quem falo divertir-se-á com as coisas que referi.

Fedro – Que magnífico divertimento, Sócrates, quando comparado com essoutro género de divertimentos de que falaste! Que bela actividade a de um homem que se compraz escrevendo discursos sobre a Justiça e sobre outras virtudes!

Sócrates – Assim é, meu caro Fedro! Todavia, acho muito mais bela a discussão destas coisas quando se semeiam palavras de acordo com a arte dialéctica, uma vez encontrada uma alma digna para receber as sementes! Quando se plantam discursos que se tornam auto-suficientes e que, em vez de se tornarem estéreis, produzem sementes e fecundam outras almas, perpetuando-se e dando ao que os possui o mais alto grau de felicidade que um homem pode atingir!

Fedro – Isso que agora disseste é ainda mais belo!

Sócrates – Já que chegamos e um acordo, caro Fedro, podemos decidir agora sobre outro assunto?
(...)


Comentando esta passagem (cujo título e resumo recuperei), o professor e historiador luso-brasileiro Aníbal Bragança, da Universidade Federal Fluminense, escreve no seu blogue Ler, Escrever e Contar:

Certamente produto das dores da transição grega da oralidade para a sociedade letrada, esta passagem do Diálogo de Platão, Fedro ou Da beleza, é constantemente referida pelos estudiosos da escrita e da memória. Cremos ser ela também muito útil para se pensar nas relações entre uma certa sabedoria e a chamada erudição. Questões que certamente lhes interessam, rara e raro leitores, o que animou este neoblogueiro a fazer o registro abaixo, um pouco mais longo que o habitual, torcendo para que esta garrafa que o contém, antes de alcançar terra fértil, não se quebre de encontro a algum rochedo e tudo se perca nas águas do mar salgado. A tradução, logo se percebe, é portuguesa e castiça!

14 de outubro de 2008

Humor e censura no Estado Novo

Até 31 de Dezembro pode visitar-se na Bedeteca de Lisboa uma exposição de primeiras páginas de Os Ridículos - Bissemanário Humorístico, relativos ao período de 1933-1945. O interesse principal, além do conhecimento desta publicação pouco estudada, é que os organizadores a fazem acompanhar das provas enviadas para e recebidas dos serviços de Censura do regime caído em Abril de 1974.

13 de outubro de 2008

Para a História da Publicidade


O Caderno P2, do Público, anuncia o lançamento, hoje, do livro "Foi Você que Pediu uma História da Publicidade?", de Luís Trindade, com a chancela da Tinta da China. O jornal traz ainda uma peça sobre o assunto, cuja leitura se recomenda. Aqui. E Não só a leitura, também as imagens (que, essas, têm de ser consultadas no suporte impresso ou no site do jornal, caso seja assinante).
[A foto da capa colhi-a no blogue Pó dos Livros].

Medo das inovações tecnológicas

No blogue do jornalista e professor canadiano Florian Sauvageau,um texto de Francis Masse compara os temores que o computador suscitava há 20 anos entre os gráficos dos jornais e os temores que hoje existem entre muitos jornalistas.
Este tipo de recorrência faz, de algum modo, recordar o movimeento social conhecido por "luddites" que nos p+rincípios do século XIX levou operários têxteis a destruir máquinas (na altura modernas) olhadas como ameaçadoras do emprego.
Ler: Une comparaison intéressante.

12 de outubro de 2008

Facetas da vida de Chaplin relatadas pela filha

A revista Pública aproveitou a passagem de Geraldine Chaplin por Lisboa e pô-la a falar da sua infância e da importância do pai na sua vida. Alguns extractos:

"No meu primeiro dia de escola, havia uma rapariga. Ela era portuguesa e chamava-se Ana Maria. Eu olhei para ela e soube imediatamente que queria ser a sua melhor amiga. Fiquei fascinada e por isso fui ter com ela e tentei ser a sua melhor amiga. Ela falou-me sobre a sua village [aldeia] em Portugal. Eu nem sabia o significado da palavra "village". Perguntei-lhe o que era. Ela respondeu-me assim: "Uma village é um sítio em Portugal onde tens os teus avós!" E essa passou a ser a minha definição. Depois, fui perguntar aos meus pais: "Eu também tenho avós numa village em Portugal?" E eles responderam-me: "Hã? O único avô que te resta está em Nova Jérsia." Mas isso não me importou. Eu tinha os meus avós imaginários em Portugal e a minha village.
Isto foi em Hollywood, nos Estados Unidos (...).Isso tornou-se numa espécie de piada na família. Sempre que estava mais triste, o meu pai dizia: "There is Geraldine, in her portuguese village, with her saudade!"
(...)
"Com oito anos era fantástico ser filha do Charles Chaplin. Ser sua filha era ser filha do melhor e do mais amado homem do mundo.
Um dos piores momentos da minha infância foi quando eu e o meu irmão nos aventurámos para fora de casa, em Hollywood. No início do caminho para a nossa casa havia um grande portão e nós fomos até à rua. Estava uma senhora a passar e nós começámos: "Nós somos os filhos do Charles Chaplin! Nós somos os filhos do Charles Chaplin!" Horrível. A mulher respondeu: "Quem é o Charles Chaplin?" Nós fugimos para dentro de casa, corremos escadas acima, escondemo-nos no escuro, debaixo da cama, e pensámos: "Se calhar o nosso pai não é o homem mais conhecido do mundo! Se calhar ele não é o mais amado! Se calhar nada disto é verdade, se calhar é tudo uma grande mentira!"
Mas nós sempre soubemos que ele era o homem mais conhecido e o mais amado do mundo.
Ele contava histórias para adormecer. As crianças adoram ser assustadas e ele contava-nos histórias de terror. "Era uma vez, uma rapariga pequenina. Ela era muito simpática e bonita. Um dia, uma fada foi ter com ela e disse: 'Queres ir até a terra das fadas comigo?' Ela disse: 'Sim.' Então, foram as duas para a terra das fadas, entraram num palácio muito bonito, com muitas fadas. Depois da sala, foram para a cozinha e aí a fada disse: 'Está aqui um triturador de carne. Se olhares lá para dentro, vais ver uma estrela.' A menina meteu a cabeça no buraco, a fada empurrou-a lá para dentro e as outras fadas começaram a cantar: 'Salsichas, salsichas'..." Eu e os meus irmãos delirávamos com estas histórias!"
(...)
Ele fazia tudo em casa. Compunha a sua música no piano da sala, com um gravador ao seu lado, escrevia os seus guiões, a sua autobiografia. Estava sempre a trabalhar. Nós não o podíamos incomodar, andávamos com pés de algodão à volta de casa e dizíamos: "Chiu, o paizinho está a trabalhar."
(...)
Era um homem político. Foi banido dos Estados Unidos, mas eu e os meus irmãos nunca soubemos de nada porque o meu pai e a minha mãe foram fantásticos. Nós sabíamos que íamos para Inglaterra, mas não sabíamos que não íamos voltar.
Foi apenas com 14 anos que alguém na escola me disse: "Sabes uma coisa? O teu pai é um comunista." E eu respondi: "Oh, a sério?" Eu não queria acreditar. Estava tão orgulhosa que o meu pai fosse um comunista, era a melhor coisa que se poderia ser no fim dos anos 50. Estava numa escola católica e, de repente, era uma rebelde: o meu pai era um comunista! Ele não era um card carrying communist, mas tinha um enorme sentido de injustiça; da forma injusta como o mundo em que vivíamos era governado. Hoje seria ainda pior.
Ele nunca nos falava das coisas directamente, apresentava-as e deixava-nos descobri-las e julgá-las. Levava-nos em viagens pelo mundo, dois de cada vez.
Mandou-nos para uma escola católica, apesar de ser ateu. Disse: "Onde se tem a melhor disciplina? Então é para lá que eles vão."
Nunca tinha ouvido falar de Deus até chegar à escola. Quando lá cheguei, pensei: "Deus é tão poderoso, deve ser o director da escola!" Depois falei com o meu pai e perguntei: "Porque não acreditas em Deus?" Ele respondeu: "Oh Geraldine, eu queria, eu gostava muito. Mas não acredito!"
(...)
Comigo e com as minhas irmãs era muito rígido. Mais do que com os rapazes. Era muito vitoriano em relação às filhas. Acho que, por ele gostar de mulheres novas, via todos os homens à nossa volta como predadores. Ele era muito rígido mas isso foi bom. Aprendemos a disciplina e não há nada de errado nisso.
Charlot é o meu herói. Representa tudo aquilo em que eu acredito. É o tipo pequeno que consegue sair sempre por cima, que se estafa completamente, mas que nunca perde a sua dignidade e é um romântico. Por isso, sim. É mesmo o meu herói. Eu nunca conheci o Charlot porque quando nasci o meu pai já tinha o cabelo branco e era mais velho. Sempre soube que era o meu pai, mas o Charlot era alguém que estava no ecrã e não alguém que andava lá por casa.(...)


In "O meu pai, o homem mais amado do mundo", texto de Alexandre Soares, Público de
12.10.2008.