"É bom recordar que, até à Primavera Marcelista, o regime nunca reconheceu os jornalistas desportivos, vedando-lhes o acesso à carteira profissional. Uma ignomínia! Vítor Santos, Homero Serpa, Carlos Pinhão, Carlos Miranda ou Alfredo Farinha, por sinal todos de 'A Bola', foram grandes jornalistas. A profissão não terá tido muitos repórteres da qualidade de Pinhão ou de Carlos Miranda, nem muita gente com a escrita tão limpa como o Homero ou o Farinha; e poucos chefes de Redacção terão suplantado Vítor Santos. Todos eles, figuras maiores da profissão, foram clandestinos durante anos e anos, porque o poder fascista tinha sobre a sua actividade a mesma opinião de Henrique Monteiro: era coisa menor. Devo dizer que comecei na profissão por um jornal desportivo, o 'Record', e que por lá encontrei alguns bons profissionais. E, sobretudo, numa altura em que não havia escolas de jornalismo, os jornais desportivos eram as grandes salas de aula, praticavam um jornalismo mais próximo das pessoas e dos acontecimentos, cultivavam todos os géneros, da reportagem à crónica e à entrevista, também porque, naturalmente, a censura não era tão atenta como acontecia com os jornais de informação geral."
Espaço de apoio à Unidade Curricular
de História da Comunicação e dos Média (CC-UMinho)
21 de outubro de 2009
Quando o jornalismo desportivo era "coisa menor"
20 de outubro de 2009
Fim do papel no horizonte?
Uma perspectiva sobre esse cenário aqui:
19 de outubro de 2009
Genéricos do Telejornal nos últimos 25 anos
18 de outubro de 2009
Telejornal completa hoje 50 anos
A propósito desta efeméride, o Público pediu ao jornalista Francisco Sarsfield Cabral que escrevesse sobre a sua ligação à RTP, onde chegou a ser subdirector de informação.
Aqui fica o depoimento daquele jornalista, com a devida vénia ao Público):
Aventuras antigas à volta do Telejornal
Em 1961 - tinha eu 22 anos - iniciei na revista semanalFlamauma coluna de crítica de televisão chamadaQuem vê TV. Eu nada sabia de televisão, nem tinha ainda visto qualquer televisão estrangeira, mas fui atraído por amigos meus, que passaram nessa altura a colaborar naFlama(revista católica fundada em 1937 e extinta em 1976). Por exemplo, Pedro Tamen era director adjunto e havia cronistas como Nuno Bragança ou António Serra Lopes, que tinha naFlama uma hilariante coluna de humor.Para tema das minhas curtas e certamente ineptas crónicas sobre TV, que duraram dois anos e tal, escolhia um ou dois programas para comentar, mas nunca a informação. Esta era evidentemente controlada pelo poder político. Na parte do noticiário nacional, o Telejornal era oficioso e maçador. Na área internacional, o Telejornal lá ia mostrando algumas coisas, mas não falava de temas que nos interessavam na altura, como a descolonização francesa da Argélia. Terminei a colaboração naFlama em 1963, quando casei e não quis ter televisão em casa. Assim me mantive até ao 25 de Abril de 1974. Nessa altura tive mesmo que comprar um aparelho para ver a revolução.
Experiência instrutiva
Jornalista profissional noDiário Popular desde 1970 (convidado por Francisco P. Balsemão para me ocupar apenas de assuntos económicos, uma novidade na altura), nunca tinha sentido interesse pelo jornalismo televisivo. Apareci na RTP uma ou duas vezes antes do 25 de Abril, num programa de actualidades apresentado pelo David Mourão-Ferreira, quando Marcello Caetano era chefe do Governo.
Em Julho de 1974 telefonou-me o José Carlos Mégre (nessa altura com responsabilidades na informação da RTP) convidando-me para, numa próxima edição de um programa semanal de cujo nome já não me lembro, fazer uma intervenção sobre a situação económica portuguesa. Tentei resistir, invocando a minha má dicção, a falta de experiência, etc., mas lá acabei por fazer o comentário.
Foi uma experiência instrutiva. Não só porque no dia marcado para a gravação esta não se pôde fazer por misteriosas razões técnicas, tendo que voltar à RTP no dia seguinte para gravar (contratempo que se repetiria mais tarde em circunstâncias bem piores). Foi instrutivo sobretudo porque, na ânsia insensata de abordar todos os grandes problemas da economia portuguesa do momento, que não eram poucos, gravei um comentário de oito minutos - uma eternidade em televisão.
Ninguém na RTP me disse que tinha sido demasiado longo. Era um pouco a cultura da casa: cada um que se amanhe, e se fizer asneira, pior para ele. Mas logo percebi que teria que ser muito mais breve. Ao fim de dois minutos, ou menos ainda, de discurso televisivo, o espectador normal deixa inconscientemente de dar atenção e começa a pensar noutra coisa.
O que subiu hoje?
Foi isso - falar curto e claro - que procurei fazer quando, a partir dessa altura, passei a ir com alguma frequência ao Telejornal para analisar temas económicos. Eram quase sempre más notícias. Sobretudo subidas dos preços dos produtos essenciais, então subsidiados pelo Estado (o célebre "cabaz"). Quando eu chegava à caracterização da RTP, nos velhos estúdios do Lumiar, a pergunta que me faziam era quase sempre: "Então o que é que subiu hoje?"
Foi uma grande escola ter de falar curto e claro para ser ouvido e compreendido. A linguagem técnica é rigorosa e sintética, só que não a podia usar, porque o grande público não a entendia. Evitava, por exemplo, a palavra inflação, substituindo-a por alta de preços ou coisa parecida (depois, os portugueses aprenderam à sua custa o que é inflação).
Luta política na RTP
Em 1974 e 1975 o Telejornal da RTP, única estação televisiva no Portugal da época, era a grande fonte de informação das pessoas. Na enorme agitação política em que se vivia, não raras vezes íamos para o estúdio e recebíamos a indicação para atrasar o Telejornal porque o Conselho da Revolução (ou outra qualquer entidade) tinha algo de importante a anunciar. E embora eu fosse um colaborador externo e eventual, dava para sentir a intensa luta política que se travava na redacção do Telejornal e na RTP em geral.
Aconteceu um caso curioso, não no Telejornal, mas num programa de entrevistas com políticos inventado pelo Vasco Pulido Valente,Responder ao País. No Outono de 1974, o Vasco, o Leonardo Ferraz de Carvalho e eu entrevistámos o arquitecto Nuno Portas, então secretário de Estado da Habitação. Meses antes o primeiro-ministro Vasco Gonçalves tinha prometido construir um certo número de casas para habitação social. Resolvemos colocar ao secretário de Estado uma única questão: "Quantas casas foram entretanto começadas a construir?" O Nuno Portas dava respostas muito inteligentes e cultas, mas não esclarecia o ponto. E nós insistíamos: "Quantas casas?" E assim foi até ao fim do programa.
Significativamente, esta entrevista nunca foi transmitida. Alguém o impediu. Desta maneira (e doutras...) se via a força do Partido Comunista na RTP no período revolucionário. Força por vezes aliada à extrema-esquerda, que outras vezes contrariava. Ora o 25 de Abril foi encontrar na RTP um grande número de pessoas que ali estavam graças a cunhas de figuras gradas do antigo regime. A maioria dessas pessoas passou-se imediatamente para a extrema-esquerda, para compensar e apagar o passado.
Fornadas de jornalistas
Depois do 11 de Março de 1975, com o PC a controlar cada vez mais a informação do Telejornal, deixei de ir à RTP, onde só regressei no fim de 1976, de novo para comentar assuntos económicos. E no ano seguinte entrei para a redacção do Telejornal, na situação (pouco frequente) de jornalista empart-time, passando afull-timealgum tempo mais tarde. Coordenei então uma equipa para tratar de assuntos económicos e sociais, com jornalistas como Cesário Borga, José Teles, Clara Pracana e Fátima Bonifácio (estas últimas seguiram depois outras e brilhantes carreiras).
Assisti, assim, às sucessivas fornadas de jornalistas que entravam na RTP consoante o poder político do momento - depois do PC, foi a vez de o PS e o PSD colocarem ali os seus homens de confiança. Isto levou, claro, a um enorme alargamento dos efectivos da RTP, problema que só muitos anos mais tarde seria ultrapassado.
Entretanto, os jornalistas que iam para a prateleira, porque na RTP tinha passado a mandar uma força política à qual não eram afectos, nem sempre se queixavam: é que após seis meses de permanência num cargo (chefe de redacção, por exemplo), o jornalista mantinha o vencimento ainda que já não exercesse o cargo.
Mau começo
No fim de 1978 o presidente da RTP, Soares Louro, avançou com uma reforma que trouxe um saudável factor de concorrência ao interior da única estação de TV existente. Nomeou um director para a RTP1 (Vasco Graça Moura) e outro para a RTP2 (Fernando Lopes). E designou dois subdirectores para a informação: Hernâni Santos para a 2 (onde o Jornal 2 se iria afirmar durante alguns anos como um espaço de qualidade informativa) e eu próprio para a 1, com o Telejornal e os programas informativos semanais do canal.
Durei pouco no lugar. Não por causa de pressões políticas ou outras, mas porque era monumental a desorganização da RTP em geral e da sua informação em particular. E fazer informação televisiva exige um vasto conjunto de meios, que precisam de funcionar com eficácia e coordenadamente. Ora eu não tinha poderes para introduzir um pouco de ordem na casa. Nem sequer dispunha de um gabinete com um mínimo de privacidade.
O meu "mandato", aliás, começou mal. No início de 1979 a informação do primeiro canal ia transmitir um grande programa de balanço do ano anterior. Um programa coordenado pela Maria Elisa, com políticos, economistas, artistas de música ligeira e de música clássica, etc.
A gravação do programa, no estúdio A do Lumiar, estava prevista para as 15h de uma quinta-feira, devendo ir para o ar na noite desse mesmo dia. E, de facto, por volta dessa hora estavam na RTP Mário Soares, Álvaro Cunhal, Sá Carneiro, Freitas do Amaral, Nobre da Costa, Mota Amaral, Vítor Constâncio (governador do Banco de Portugal) e outras personalidades de que agora não me recordo. Como a gravação tardava a iniciar-se e alguns convidados manifestavam irritação pelo facto, fui ao estúdio ver o que se passava. Aí informaram-me de que o programa não poderia ser gravado naquela hora, por motivos técnicos que ainda hoje não percebi bem quais fossem (ou, até, se existiram mesmo).
Passei então pela vergonha de transmitir aos ilustres convidados que, afinal, o programa não iria ser gravado, mandando-os embora. Calcula-se aquilo que ouvi. Recordo, em particular, a fúria de Mota Amaral (então presidente do Governo Regional dos Açores), pois tinha desmarcado um voo para Ponta Delgada, precisamente para vir ao programa. "Isto não se faz nem a um cão...", protestava ele.
Com a Maria Elisa em lágrimas e o Fernando Balsinha (meu adjunto, infelizmente já desaparecido), fomos de táxi do Lumiar para a Rua de S. Domingos à Lapa, onde era então, ainda, a sede da RTP. Fomos falar com o presidente para ver o que se poderia salvar da catástrofe. Soares Louro foi de uma serenidade notável e graças a ele conseguiu-se fazer o programa em directo, "sem rede", à noite. Uma arriscada aventura, dada a complexidade e o tempo da emissão, mas tudo acabou por correr bem. Todos os convidados aceitaram voltar nessa noite à RTP, com uma excepção: Sá Carneiro.
Os comunicados do ministro Passadas poucas semanas o director da RTP1, Vasco Graça Moura, demitiu-se em conflito com Proença de Carvalho, ministro da Informação de Mota Pinto (um dos governos de iniciativa presidencial do general Eanes). Não tendo Graça Moura sido substituído, passei a reportar directamente ao presidente Soares Louro, que recordo com saudade e com quem nunca tive problemas (excepto as horas de despacho, frequentemente nocturnas e tardias).
Sá Carneiro chamava a Proença de Carvalho "ministro da Propaganda". Talvez injustamente. Mas Proença tinha o hábito de enviar para o Telejornal, por telex, frequentes notas oficiosas ou comunicados, que tinham de ser lidos. Por vezes, os textos chegavam à redacção já com o Telejornal no ar. Uma vez, o pivô do Telejornal Adriano Cerqueira (outro amigo que também já não está connosco), quando em plena emissão do Telejornal recebeu o telex, mal impresso, teve de pôr óculos para o ler. No dia seguinte, o primeiro-ministro Carlos Mota Pinto telefonou-me, aliás com simpatia e correcção, levantando a hipótese de aquele gesto de Cerqueira ter sido uma forma encapotada de ridicularizar a nota em causa. Convenci-o do que eu próprio estava convencido: não tinha havido ali qualquer sombra de troça.
Jornal 2
Tendo saído da direcção da Informação da RTP1 e de funcionário da RTP em Abril de 1979, para ingressar na Petrogal (agora Galp), continuei a colaborar com o Telejornal com breves comentários de quando em quando sobre matéria económica. Mas a melhor recordação recente que guardo da RTP tem a ver com o jornal da 2. Sob a orientação de Henrique Garcia, em 1998, o Jornal 2 assumiu de novo características próprias, claramente distintas do Telejornal, com uma parte substancial dedicada ao comentário. Tive o gosto de participar na primeira emissão do Jornal 2 com o Henrique Garcia e fazer ali depois numerosos comentários económicos.
Mas tempos mais tarde o Henrique saiu (ou foi levado a sair) da RTP e nunca mais o Jornal 2 voltou ao que era com ele. Tornou-se uma edição abreviada do Telejornal, porventura por falta de meios próprios. É pena que as experiências positivas do passado não sejam aproveitadas.
franciscosarsfieldcabral@gmail.com