Um momento importante do debate religioso e cultural sobre este assunto ocorreu nos séculos VIII e XIX no Médio Oriente, no seio do Império bizantino, mas com um significado que envolvia o judaísmo e o islamismo nascente.
Uma das figuras relevantes desse debate foi S. João Damasceno e foi sobre ele que o papa Bento XVI reflectiu numa audiência pública ontem realizada na Praça de S. Pedro, em Roma.
O que se segue é uma transcrição feita pela agência Zenit (com alguns termos adaptados do português de expressão brasileiro para português de Portugal):
"Hoje quero falar de João Damasceno, um personagem de primeira categoria na história da teologia bizantina, um grande doutor na história da Igreja universal. É sobretudo uma testemunha ocular da passagem da cultura grega e siríaca, compartilhada na parte oriental do Império bizantino, à cultura do Islão, que ganhou espaço com suas conquistas militares no território reconhecido habitualmente como Médio ou Próximo Oriente. João, nascido em uma rica família cristã, ainda jovem assumiu o cargo – talvez ostentado também por seu pai – de responsável económico do califado. Bem cedo, contudo, insatisfeito pela vida da corte, amadureceu a escolha monástica, entrando no mosteiro de São Sabas, perto de Jerusalém. Era por volta do ano 700. Não se afastando nunca do mosteiro, dedicou-se com todas as forças à ascese e à actividade literária, sem desdenhar uma certa actividade pastoral, da qual dão testemunho sobretudo suas numerosas Homilias. Sua memória litúrgica se celebra em 4 de Dezembro. O Papa Leão XIII proclamou-o Doutor da Igreja universal em 1850.
Dele se recordam no Oriente sobretudo os três Discursos contra quem calunia as imagens santas, que foram condenados, após sua morte, pelo Concílio iconoclasta de Hieria (754). Estes discursos, contudo, foram o principal motivo de sua reabilitação e canonização por parte dos Padres ortodoxos convocados no II Concílio de Niceia (787), sétimo ecuménico. Nestes textos é possível encontrar os primeiros intentos teológicos importantes de legitimação da veneração das imagens sagradas, unindo a estas o mistério da Encarnação do Filho de Deus no seio da Virgem Maria.
João Damasceno foi também um dos primeiros a distinguir entre o culto público e privado dos cristãos, entre a adoração (latreia) e a veneração (proskynesis): a primeira só pode dirigir-se a Deus, sumamente espiritual; a segunda, ao contrário, pode utilizar uma imagem para dirigir-se àquele que é representado nela. Obviamente, o santo não pode em nenhum caso ser identificado com a matéria da qual está composto o ícone. Esta distinção se revelou imediatamente muito importante para responder de modo cristão àqueles que pretendiam como universal e perene a observância da severa proibição do Antigo Testamento sobre a utilização cultual das imagens. Esta era a grande discussão também no mundo islâmico, que aceita esta tradição hebraica da exclusão total das imagens no culto. Ao contrário, os cristãos, neste contexto, discutiram o problema e encontraram a justificação para a veneração das imagens. Damasceno escrevia: «Em outros tempos, Deus não havia sido representado nunca em imagem, sendo incorpóreo e sem rosto. Mas dado que agora Deus foi visto na carne e viveu entre os homens, eu represento o que é visível em Deus. Eu não venero a matéria, mas o Criador da matéria, que se fez matéria por mim e se dignou habitar na matéria e realizar minha salvação através da matéria. Nunca cessarei por isso de venerar a matéria através da qual me chegou a salvação. Mas não a venero em absoluto como Deus! Como poderia ser Deus aquilo que recebeu a existência a partir do não ser?... Mas eu venero e respeito também todo o resto da matéria que me procurou a salvação, enquanto que está cheia de energias e de graças santas. Não é talvez matéria o lenho da cruz três vezes bendita?... E a tinta e o livro santíssimo dos Evangelhos, não são matéria? O altar salvífico que nos dispensa o pão da vida não é matéria?... E antes que nada, não são matéria a carne e o sangue do meu Senhor? Ou se deve suprimir o carácter sagrado de tudo isso, ou se deve conceder à tradição da Igreja a veneração das imagens de Deus e a dos amigos de Deus que são santificados pelo nome que levam, e que por esta razão estão habitados pela graça do Espírito Santo. Não se ofenda portanto a matéria: esta não é desprezível, porque nada do que Deus fez é desprezível» (Contra imaginum calumniatores, I, 16, ed. Kotter, pp. 89-90). Vemos que, por causa da encarnação, a matéria aparece como divinizada, é vista como morada de Deus. Trata-se de uma nova visão do mundo e das realidades materiais. (...)"
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